Relatos de sofrimento

No mês de junho de 1955, o Frater Rubens de Jesus Crucificado foi transferido para Nanuque, juntar-se ao Frater Raphael para ajudar na fundação do colégio.

Em julho, Pe. Alonso chamou-me para Baixo Guandu, juntamente com o Postulante José. Fomos para o patronato onde havia, aproximadamente uns quarenta meninos. Nesta ocasião foi acolhido o Sebastião, vindo de Teófilo Otoni para ingressar na Congregação.

Ainda neste mês de julho fui ao Rio de Janeiro com o Pe. Alonso participar do Congresso Eucarístico Internacional. Permaneci em Baixo Guandu até o final de 1956 como responsável pelo Patronato. Nunca eram menos de quarenta meninos. Tudo muito difícil, pois vivíamos totalmente pela caridade do povo. Muitas vezes não tínhamos o que comer. Mesmo assim, iámos ao refeitório para rezar: "Pai nosso..." Não havia murmuração, pelo contrário sempre achávamos espaço para a alegria. Éramos felizes. Se era o início de uma nova Congregação não poderia ser diferente.

O ano de 1956 transcorreu em muita paz e tranquilidade, pois tínhamos certeza que a Congregação que tinha sido aprovada na Diocese de Araçuaí vinha aos poucos se consolidando. No Patronato a casa estava cheia de meninos, muita luta. Uns eram considerados vocacionados e outros simplesmente acolhidos no Patronato. Não havia desunião e nem qualquer tipo de tristeza. Creio que a falta dos bens materiais não minava o amor à Congregação que nos unia cada vez mais. Eram cumpridos, com muita seriedade, os horários de oração e ao final da tarde, fazíamos grande festa quando nos reuníamos para rezar o terço.

O início de 1957. Por insistência de Frater Rafael, Pe. Alonso acabou cedendo e transferiu-me para Nanuque, pois lá estava toda a esperança de um grande futuro para a Congregação. Tudo caminhava muito bem em Nanuque. A construção do Colégio Santo Antônio estava adiantada dando já condições de acolher alguns alunos internos. A certeza de que a Congregação estava se firmando era muito grande. Este ano foi de muito trabalho, pois o colégio estava com um bom número de alunos e era certo que o prédio seria da Milícia.

Chega o final do ano e o início de 1958. Muito sofrimento. Uma grande tempestade: o falecimento de Dom José de Haas, ofm, bispo diocesano de Araçuaí - MG; transferência do Frei Carlos (franciscano da província de Belo Horizonte, era o Vigário de Nanuque e acolheu a Congregação dando total apoio, acreditando na fundação de uma nova Congregação e que estaria garantido a continuidade do Colégio Santo Antônio, já que a província franciscana não mais queria trabalhar com colégios); a espera de um novo bispo. Tudo ficou muito inseguro. Nesta situação o Frater Rafael resolveu voltar para a família em Belo Horizonte e o Frater Rubens para Ibituba - distrito de Baixo Guandu.

Diante desta realidade fiquei com o Frater Sebastião e o Postulante José sem saber o que fazer. Encontramo-nos em Teófilo Otoni com o Vigário de Poté e o mesmo nos convidou a ficar na Paróquia até a chegada do novo bispo. Consultamos Pe. Alonso e ele aprovou, esperando que o novo bispo aceitasse o documento de aprovação expedido pelo bispo falecido. Chegando a Poté conseguimos uma casa que nos foi cedida sem precisar pagar aluguel. Iniciamos no salão paroquial um curso noturno de alfabetização.

Neste período chega o novo bispo de Araçuaí, Dom José Maria Pires e logo diz que não aprova a Congregação no Ramo Masculino e propõe às Irmãs iniciarem uma outra Congregação com outro carisma e outro nome. Cinco irmãs aceitaram, as outras voltaram para Baixo Guandu. Com as que ficaram, Dom José fundou as Irmãs de Betânia, as quais, com sua transferência para Paraíba, deixando-as para trás, aos poucos foi se extinguindo.

Tudo novamente em profunda escuridão. Nesta ocasião o Frater Rubens, que estava em casa com a família, conheceu o Vigário de Perdizes (Triângulo Mineiro) da Diocese de Luz - MG que o convidou para ajudá-lo no internato do seu colégio. Frater Pio desanima e volta para a família em Itambacuri. Frei José e Frei Sebastião, que estavam comigo em Pote, voltam a Baixo Guandu e eu sigo para Perdizes, para ficar com Frater Rubens, na esperança, segundo Pe. Alonso, de conseguir aprovação lá na Diocese de Luz - MG.

Chega o final do ano de 1958. Tomamos a decisão de voltar a Baixo Guandu e procurar o novo Bispo de Vitória, Dom João Batista da Mota e Albuquerque. Frater Rubens fica em Baixo Guandu e vai para casa - Ibituba-ES e eu para Vitória. Chego em casa como se estivesse chegando para as férias. Toda esta "via-sacra" não era do conhecimento de minha família. Para eles tudo estava normal.

Passei alguns dias sem coragem de procurar Dom João, mas era necessário deixar o medo de lado e enfrentar esse medo. Fui a sua residência e recebido em seu escritório. Contei-lhe tudo, toda a trajetória que havíamos feito. Lembro-me que no pé da escada que dá acesso ao escritório dele havia uma imagem de São José em madeira, passei a mão na imagem e pedi proteção. (Hoje esta imagem está em nossa Casa Central pois, depois de padre, Dom João deu-me de presente).

Depois de ter contado a Dom João toda a história, desde o início, ele disse-me: "que aventura meu filho, e afinal, o que você quer"? Respondi-lhe de imediato, por mim e pelo Frater Rubens que estava em Baixo Guandu: "queremos ser padres". Ele, então, disse: "vou marcar um encontro de vocês com o padre-reitor, Monsenhor Acácio". Saí radiante, de alma nova e cheio de esperança, pois já conhecia Monsenhor Acácio, homem rigoroso, ma o coração de Pai.

No dia seguinte fui, de trem, buscar o Rubens Duque e viemos para o encontro com o Monsenhor Acácio. Tudo acertado iríamos para Belo Horizonte - Seminário Coração Eucarístico para iniciar o curso de Filosofia. Em Belo Horizonte fomos acolhidos pelo Pe. Arnaldo Ribeiro, hoje Arcebispo Emérito de Ribeirão Preto - SP e residindo em Belo Horizonte - MG. Este homem marcou profundamente a minha formação ao presbiterato. Muito alegre, severo e ao mesmo tempo, muito humano. Castigava, perdoava e mostrava um novo caminho. O seu zelo pela Casa do Senhor marcou-me até hoje.

Ficamos em Belo Horizonte de fevereiro de 1959 a dezembro de 1964 onde cursamos a Filosofia e a Teologia no Seminário Coração Eucarístico. Eu sempre mantive correspondência com o Pe. Alonso. Foi uma pena não ter guardado as cartas, não imaginava que poderiam ser verdadeiras relíquias.