O Início da Caminhada

Surge o ano de 1954 e em meu coração a certeza: quero ser padre! Pairava apenas uma dúvida: ir para Caraça-MG com os padres Lazaristas, devido a influência das Irmãs Vicentinas, da Santa Casa de Misericórdia, onde diariamente, às 5:30 horas da manhã, eu ajudava à Santa Missa, ou com os Padres Pavonianos, por influência do Capelão, Pe. Vitor, pavoniano que me batizou na Paróquia São Pedro da Vila Rubim – a chamada Igrejinha.


Nesta ocasião eu freqüentava muito a “Papelaria Ideal” na Vila Rubim, dos padres Pavonianos que tinha como responsável Dona Isabel Cavati. Gostava de ir a esta loja para ficar admirando as imagens que ficavam no depósito. Lembro-me bem que, de vez em quando, ia até o balcão para perguntar: “Dona Isabel, que santo é este?”, e ela, quando estava bem humorada, respondia: “São Lázaro...!” Ou outro santo de minha curiosidade. Porém, quando não estava de bom humor, respondia: “Sei lá, Zezinho, que santo é este!” Eu então pensava comigo: “Sei lá que santo é este, rogai por nós!”

E foi nestas minhas idas à Papelaria Ideal que tudo começou. “A luz brilhou”. Eu estava de costas para a porta, olhando os santinhos na gaveta. Entrou o Padre Alonso e só ouvi Dona Isabel falar: “Ele quer ser padre!”, e tocando em meu ombro, Pe. Alonso pergunta: “Você quer ser padre? Vamos para Baixo Guandu, lá, estamos iniciando uma nova congregação: a Milícia de Cristo”.


Não sei descrever o que eu senti naquele momento, só que fiquei estático. Não tanto com a pergunta: “você quer ser padre”, mas pela figura serena, sorridente, de batina surrada, sapatos velhos e um livro na mão e pelo convite: “Vamos para Baixo Guandu...” e... uma Congregação nova”.


Foi aí que começou o meu relacionamento e encantamento pelo Pe. Alonso. No mês seguinte, Pe. Alonso foi a minha casa conhecer minha mãe e já queria me levar, mamãe é que não deixou. Em junho, fui conhecer Baixo Guandu e o seminário e vi muitos adolescentes, crianças e grande pobreza. O casarão – Patronato – numa situação muito precária, porém, nada me assustou e muito menos desanimou.


Em setembro – feriado do dia 07 – fui a Conselheiro Pena para conhecer os Milicianos que lá residiam, e neste dia levei uma vocação para as Irmãs, a jovem Margarida Severino, que ao entrar no noviciado recebeu o nome de Irmã Helena. Lá em Conselheiro Pena conheci o Frater Rubens – hoje Monsenhor Rubens Duque, Vigário Geral da Diocese de Colatina (Frater Rubens de Jesus Crucificado). Muito acolhedor, sereno e sorridente. Era considerado um homem orante. Nesta ocasião, o Frater Rafael (Paulo César) estava viajando, havia ido à Nanuque, pois já “despontava uma luz”. Tudo indicava que a Congregação seria acolhida na Diocese de Araçuaí – MG, por Dom José de Haas, OFM. Isto veio a se concretizar em 12 de novembro de 1954.



Dom Frei José de Haas, OFM.
Por mercê de Deus e da Sé Apostólica
Bispo de Araçuaí
Saúde e Benção no Senhor


Fazemos saber que considerando a grande falta de cooperadores religiosos do sexo masculino e feminino, na cura das almas da Diocese de Arassuaí, resolvemos de conceder licença de fundação da Congregação “Milícia de Cristo” constando de três categorias:


1º de Sacerdotes;
2º de Irmãos;
3º de Irmãs.

Dada e passada em Arassuaí, sob o nosso sinal e selo das armas episcopais aos 12 de novembro de 1954.



Ficou decidido, então, que o Ramo Masculino teria sede em Nanuque e o Ramo Feminino em Carlos Chagas. Figura marcante no início da fundação foi a do Frater Rafael. Muito simpático e extrovertido. Tinha diversas habilidades, era inteligente e muito criativo. Por sua capacidade de liderança, mesmo sem nomeação explícita de Pe. Alonso, era aceito como o superior da comunidade.


Chegara o momento de tomar uma decisão radical, Ingressar nas fileiras da Milícia de Cristo. Não esqueço quando Pe. Alonso falou-me Milícia era exército e os Milicianos – soldados de Cristo e que deviam lutar sempre com duas espadas contra o mal: a espada do amor e a espada da caridade.


Aos 03 de janeiro de 1955 deixo Vitória, minha terra natal, e sigo para a pequena cidade de Conselheiro Pena, Minas Gerais, para iniciar minha caminhada na Milícia de Cristo. Estava com meus 16 anos de idade. Deixava para trás minha querida mamãe Emília Ayrola Barcellos e meus irmãos: Wilson, Wellington, Wilmington, Wanda e Wilton. Era órfão de pai desde os três anos de idade: José Viana Barcellos.


Não foi nada fácil. Por ser o caçula da família e por ter convívio menos com papai, era por todos, cercado de muito carinho e atenção. Deixei minha querida mamãe chorando muito, mas em nenhum momento pensei em desistir. Algo muito forte tocava em meu coração: o Padre Alonso, uma nova Congregação, o ser Padre... Desejo este que sempre esteve em meu coração, acredito, desde os cinco anos.


Ao passar pela cidade de Baixo Guandu, lá estava na estação ferroviária o Pai-fundador – Padre Alonso, que logo veio à janela do trem, apertou minha mão e disse: “Deus te abençoe. Coragem!” Vai dar tudo certo, logo você virá para Baixo Guandu”. Entregou-me uma sacola com um lanche – algumas bananas e um pão com presunto – até chegar a Conselheiro Pena.


Ao chegar a meu destino, na estação estavam Frater Rubens e o Postulante José, que alegria! Finalmente chegava para fazer parte de uma nova família. Na estação havia várias charretes. Embarcamos em uma e fomos para casa. A casa era um velho imóvel cedido pelos Vicentinos a pedido do Vigário – Pe. Carlos – que acolheu a Congregação, tanto o Ramo Masculino como o Feminino, quando tiveram de deixar Baixo Guandu por determinação do Bispo de Vitória, Dom José Joaquim Gonçalves, que o sucedeu, e que não queria outra fundação em sua Diocese, justificando já haver uma em Cachoeiro de Itapemirim: as Irmãs de Cristo Rei, da Madre Gertrudes de São José, hoje as Irmãs de Jesus na Eucaristia.


A cidade de Conselheiro Pena pertencia à Diocese de Caratinga, cujo bispo era Dom João Cavati. Ele acolheu a Congregação num gesto carinhoso e paternal na condição de encontrar um bispo que a acolhesse para a aprovação, pois ele não poderia, já que em sua Diocese havia três Congregações novas: Sacramentinos e Sacramentinas de Nossa Senhora – do padre Júlio Maria, e as Gracianas – de Pe. Bruno.


Quando se chega tudo é novidade, mas ao anoitecer, a primeira surpresa: não havia iluminação elétrica. Usamos umas pequenas lamparinas de querosene. O jantar: um pequeno prato de sopa. Não havia chuveiro, o banho era de caneco. Tudo era aceito com muita naturalidade, pois, não era uma nova Congregação? Não havia porque murmurar ou criticar, achávamos que devia ser assim mesmo.


No dia seguinte, Frater Rubens levou-me à casa das Irmãs Milicianas para tirar as medidas para fazer meu hábito. (Era Superiora Geral das Irmãs Milicianas a Madre Maria da Divina Providência – Maria de Lourdes Gobbo. Apesar de ter deixado a Congregação em julho de 1966 ela jamais poderá ser esquecida na história da Milícia. Mulher forte, de grande tino administrativo, criativa, muito acolhedora e alegre. Hoje consigo melhor interpretar ou entender sua saída. Um grande cansaço, um enorme vazio pela insegurança, pela falta de apoio das autoridades eclesiásticas. Creio não ter sido falta de amor à Milícia que a fez deixar, e sim, muita decepção e fadiga. Veio depois a casar-se com o Pe. Steferson que havia deixado o ministério).


Chega o tão esperado dia: 15 de janeiro. Pe. Alonso chegou por volta das 19 horas, em seu velho carro e estávamos esperando-o para o almoço. Nesse dia, levantamos bem mais cedo para lavar a casa e arrumá-la. Varrer o quintal e preparar o almoço (neste dia ganhamos dos Vicentinos um pedaço de carne e um pacote de macarrão). Que alegria! Chega o Pe. Alonso! Nem lembramos que estava tão atrasado. Após a oração da noite, foi realizada a cerimônia de tomada de hábito. Tudo tão simples e ao mesmo tempo parecia tudo muito solene. Lembro-me bem que a vela do altar e uma lamparina eram a grande iluminação. Tinhamos um pequeno órgão e Frater Rubens era quem o tocava. Pe. Alonso abençoou o hábito e fez uma longa pregação. Após a mesma, vesti o hábito e ele deu-me o nome de Frater Vicente, pois naquela época, era costume os religiosos trocarem de nome ou sobrenome. Encerrou-se a cerimônia com o canto preferido de Pe. Alonso: “Lenta e calma, sobre a terra, desce a noite, foge a luz(...)”. Fomos ao refeitório e tomamos um copo de limonada com biscoito, tudo preparado pelo postulante José. Era a festa da tomada de hábito.